06 dezembro, 2011

Mãe Amélia A.

Este ano, se fosse viva, a minha outra mãe – Amélia A. – faria 100 anos.
Partiu em 2001. Lamentavelmente conheci-a na etapa final da vida, mas ainda foram 14 anos de muito convívio, muito carinho, muito mimo. De ela para mim e de mim para ela. Sem limites.
O que sei do seu passado foi contado pela família. Aliás, esta família gosta de festejar o passado. Sem ressentimentos.
Soube que muito jovem deixou a família numa aldeia interior e viajou para um país distante – Moçambique – onde a esperava o homem íntegro que a amou de verdade
Soube que a cozinha não tinha segredos para ela, quando preparava gostosos petiscos para a família, amigos ou apenas conhecidos. Ainda hoje, a lembrança do seu queijo e dos seus enchidos faz “babar” muita gente.
Soube que tinha mãos de fada para a costura e bordados. Deixou toalhas de mesa maravilhosas.
Soube que ajudava todos os que a procuravam e era a amiga fiel que todas as mulheres desejam ter por confidente.
Soube que quando regressou a Portugal com o companheiro de sempre, foi com coragem que deixou para trás o mais importante período da sua vida: casamento, nascimento dos filhos, chegada dos netos.
Eu conheci-a num dia de 1987.
Inibida, esperei uma reacção fria e distante. Mas ela, olhou-me com os olhos mais meigos que alguma vez vi e deu-me o abraço mais doce que alguma vez senti.
Fiquei tão feliz, tão feliz, que naquele preciso momento decidi que ela seria a minha terceira mãe. Não me arrependi. Nunca.
Os últimos anos não foram fáceis. A doença e a morte do marido, a separação da família quando foi levada para um lar, e problemas de saúde, entristeceram o seu olhar e o seu sorriso, para sempre.
Como eu era a familiar com maior disponibilidade de tempo, decidi que a visitaria no lar diariamente. Ela esperava, ansiosa, que eu levasse e lhe desse o lanche da tarde. E esperava, também, pelo mimo que eu agora lhe dava em dobro a ela. Sozinhas, falávamos muito e riamos ainda mais. A alegria pairava naquele quarto impessoal até ao minuto triste da despedida.
Com a saúde cada vez mais debilitada foi internada num hospital.
Visitei-a sempre.
Naquele último dia encontrei-a ligada a inúmeras máquinas, de olhos fechados, com uma respiração estranha. Assustada e triste, decidi ficar junto dela até ao fim da visita. Falei, falei, mas ela não emitiu qualquer som. Segurei, então, as suas mãos magras nas minhas e falámos através do coração. Jamais senti que seria a nossa última conversa, mas foi.
Morreu sozinha, dez minutos depois de eu a ter olhado, acariciado, beijado e abandonado naquele hospital. E prometido que voltaria no dia seguinte.
Eu fiz tudo para que ela se sentisse acompanhada e acarinhada.
Ela quis que eu fosse a última pessoa a vê-la com vida.
Eu nunca a esquecerei.
Obrigada mãe Amélia, e um beijo de enorme saudade.

Deus deu-me uma mãe maravilhosa mas um pouco fria e distante. Compensou-me com duas sogras fantásticas que me deram mimo e carinho de forma incomensurável.
São duas estrelinhas que brilham no céu.